segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Eu sou você amanhã



NÃO FORAM POUCAS VEZES EM QUE, sentados na bola antes ou depois do treino,
ficávamos um tempão batendo papo. Eu, mais no papel de ouvinte. Ele é quem tinha as boas histórias. Oito anos mais velho, já havia conquistado campeonatos importantes e, consequentemente, a condição de ídolo do clube.

E Zetti se comportava como tal. Não me canso de dizer quanto ele me ajudou e deu força no começo de minha carreira no São Paulo - desde o dia em ue fui presenteado com as suas camisas, no fim de 1990, até o fim de 1996, quando, coberto de glórias e faixas, ele deixou o Morumbi.

Pelo biotipo, a estatura (sou apenas 1 centímetro mais alto do que ele), a cor de cabelo (naquele tempo eu tinha tanto quanto ele), e pelo fato de jogarmos de calças (os campos eram muito ruins, de calção você se ralava todo), fui sempre visto como discípulo do Zetti. Convenhamos, uma responsabilidade cruel. Mas eu tinha convicção de que, não só estava preparado para assumir a camisa 1 de um gigante do futebol brasileiro, como entrava para não s
air tão cedo. E uma das razões desse meu pensamento estava diretamente ligada à confiança que o Zetti depositava em mim. Não falo apenas da forma como me saía debaixo da trave. Falo de como meu antecessor conseguia me colocar no jogo, mesmo sentado no banco, de como fazia para que me sentisse parte do time.

Eu disputava as preliminares, os campeonatos de aspirantes, e era normal no fim do meu jogo ir direto ao vestiário da equipe principal para passar informações ao Zetti. Ele perguntava como estava o gramado, se tinha muito buraco, se era duro, se estava seco, molhado, se deveria usar chuteiras de borracha ou de travas... Queria saber das condições da área, qual lugar se encontrava em melhor estado. Pô, eu me sentia útil pra caramba, me esforçava em deixá-lo a par de todos os detalhes.

Numa outra fase, já revezando como segundo goleiro, estudava os batedores de pênalti dos adversários. A oportunidade mais marcante de "ajudar" o Zetti, e também
a mais triste, se deu na final da Copa Libertadores de 1994. Chance possivelmente única de um tri seguido. Como em 1992, o título decidido nos pênaltis.
O combinado era que eu sinalizasse os cantos onde os jogadores do Vélez Sarsfield costumavam bater. Coloquei-me na frente do Zetti, alinhado no meio do campo com o resto do elenco. Cantei os cantos certos, mas os argentinos foram precisos demais: chutes fortes e certeiros. Nenhum goleiro pegaria alguma das cinco cobranças. A última ainda acertou o travessão. Uma das noites mais tristes que presenciei num estádio de futebol. Sem exagero, era como
se o mundo tivesse parado. Mesmo não tendo participado efetivamente da partida (quem joga sofre mais), fiquei bastante frustado. Acreditava muito no time, que, em casa, sempre resolvia as paradas. Daquela vez não foi assim.


O meia Palhinha perdeu o único pênalti da disputa: injustamente, foi considerado o vilão da derrota. E nunca mais conseguiu ser o mesmo. Anos depois (Rio-São Paulo de 1998), eu, como titular do São Paulo, e ele, no Flamengo, nos enfrentamos no estádio do Pacaembu. No fim do jogo defendi um pênalti cobrado pelo Palhinha. Intervenção igualzinha à do Chilavert, goleiro do Vélez: mesmo canto esquerdo, mesma altura, no chão...

Só peguei porque me lembrei de 1994.
O jogo terminou empatado em 1 x 1, portanto garanti um ponto pro São Paulo.
O esporte ensina.
Obrigado por tudo, Zetti.
Obrigado pelo gol no Mundial de 1993, Palhinha.

RogérioCeni


CENI, Rogério. Maioridade penal – 18 anos de histórias inédias da marca da cal contadas por André Plihal, Rogério Ceni. – São Paulo: Panda Books, 2009. P. 51-59.


Fotos: Rubens Chiril e site oficial do Zetti.

4 comentários:

  1. Que alegria reviver a história do São Paulo, pra mim como se fosse hoje, cada momento inesquecível.
    Sempre São Paulo. Abraços.

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  2. Mtooooo lindooooo...cada vez q leio e comento a minah vontade só aumenta de ler esse livro...realmente emocionante...

    Parabéns Driiii perfeitooo o post
    Bjus lindaaaa

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  3. Post lindo para uma pessoa maravilhosa, como profissional, como ser humano!!Falar do MITO é sempre emocionante,não tem como não ser, eu me orgulho MUITO de poder ter visto ele jogar!! #RC20anos

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  4. Muito bom o texto, nosso grande ídolo merece... #RC20anos

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